Com
a proximidade do ano letivo, novamente os educadores estarão diante do
desafio de incorporar tecnologias digitais em seu cotidiano pedagógico.
Seja na tentativa de usar novos dispositivos como tablets, smartphones
ou laptops em atividades educativas, seja na integração de mídias
digitais e redes sociais no processo de ensino e de aprendizagem de
conteúdos curriculares.
Nesse
cenário, é bem comum surgirem mais questionamentos sobre os
inconvenientes que as tecnologias podem trazer para o contexto
pedagógico do que ênfase nos benefícios e potenciais a serem
aproveitados. Pensando em como driblar tais inconvenientes, listo abaixo
algumas dicas a partir das principais queixas que tenho acompanhado em
12 anos de atuação na área:
Distração e dispersão: estudantes jogam e navegam na web em vez de prestar atenção nas aulas e fazer as atividades sugeridas.
Que
tal combinar com a classe 10 minutos de navegação livre antes de
iniciar a atividade? Em vez de pensar em “aula”, que carrega uma
conotação meramente expositiva, procure planejar atividades ou projetos.
Preparar um roteiro em conjunto com os alunos sobre como será realizada
a atividade, com os respectivos combinados, e levantando com eles
perguntas e dúvidas prévias sobre determinado conteúdo pode ser uma
estratégia interessante para envolver a turma desde o princípio,
evitando a dispersão. Lance desafios cooperativos, formando equipes para
busca de diferentes informações na internet em um determinado intervalo
de tempo para que depois possam compartilhar as descobertas.
Informações não confiáveis: há muito conteúdo disponível na web sobre todos os assuntos mas nem todo conteúdo é de qualidade.
Uma
das principais aprendizagens que o mundo digital potencializa é
justamente a de como pesquisar na internet (selecionar, analisar,
classificar). Nesse sentido, não é exagero dizer até que o fato de não
ser confiável é uma vantagem, pois cabe a cada pessoa, sozinha ou em
grupo, analisar e comparar as fontes e não apenas receber informações
prontas tidas como verdade única e absoluta. A inteligência precisa
estar no indivíduo diante da máquina e não ao contrário. Ao sugerir uma
atividade de pesquisa na internet não é necessário delimitar os sites
para consulta, mas sim preparar uma lista de sugestões sobre como
analisar cada endereço web encontrado, desde a origem - se é comercial
(.com), governamental (.gov) ou de alguma instituição (.org) – até o
conteúdo em si, sempre comparando informações para poder encontrar o que
se procura. Em alguns casos, a estratégia do “copiar e colar” citando a
fonte pode ser indicada para facilitar a análise crítica, pois assim
todos poderão salvar em um arquivo separadamente e ler com calma as
várias informações selecionadas para depois preparar a sua própria
versão a partir do que foi pesquisado.
Aprendizagem
superficial: a livre interação dos alunos com conteúdos disponíveis na
web ocasiona apreensão de conteúdos de forma simplista e pouco
aprofundada, tornando os alunos resistentes a empenhar o tempo
necessário para consolidar as aprendizagens.
Há
um pouco de mito nessa afirmação, pois a superficialidade da
aprendizagem não pode estar ligada ao meio em si, uma vez que uma
simples leitura de um tópico no livro didático com definições prontas
sobre um dado assunto pode levar ao mesmo resultado. Nesse caso, o
segredo está no desafio que será lançado pelo educador. O ideal é que o
educador planeje, ou seja, que defina com antecedência os objetivos da
aula ou do projeto a ser desenvolvido. É importante que o educador
estimule os estudantes não apenas a buscarem respostas, mas sim a
formularem suas próprias perguntas a partir de algumas hipóteses que
podem ser levantadas em conjunto com a turma. Para refletir sobre a
importância da dedicação aos estudos, o educador pode criar um gincana
que evidencie o tempo necessário para o estudo de um conteúdo ou mesmo
relatar o tempo de dedicação de autores e profissionais famosos em torno
de seu ofício. Na obra Minha Vida Entre Livros, o bibliófilo José
Mindlin conta algumas histórias de escritores famosos, como Guimarães
Rosa e seus vários rascunhos, em uma persistente busca pelo melhor texto
até chegar ao livro de fato.
Copiar
e colar: a internet estaria incentivando os alunos a copiar fotos,
textos, músicas, ilustrações e outros arquivos de sites para fazer um
trabalho escolar e além disso, tal atitude pode estar violando a lei de
direitos autorais.
Muitos
já devem ter ouvido a resposta padrão para esse inconveniente: “Quando
não tinha internet a gente copiava da enciclopédia”. De fato. O que faz
diferença nesse caso e evita o simples recorte e cola de informação é
quão desafiadora a atividade proposta é, ou seja, qual foi o roteiro
sugerido pelo educador e qual o objetivo da pesquisa. Além disso, há
outro ponto fundamental nessa queixa relacionada a uma ação ilegal de
apropriação de obra protegida pela lei brasileira de direitos autorais.
Antes de utilizar qualquer arquivo disponível online, ainda que
gratuito, é fundamental consultar os “termos de uso” do site e verificar
se o material foi licenciado de maneira aberta, isto é, se o autor
permite que sua obra seja copiada, remixada ou usada para fins
comerciais. No site do Projeto Recursos Educacionais Abertos Brasil há
uma lista de repositórios online para encontrar recursos licenciados
abertamente (http://rea.net.br/site/rea-no-brasil-e-no-mundo/rea-no-brasil/).
Ansiedade,
vícios e isolamento: a interação constante dos estudantes com as telas
digitais estaria provocando maus hábitos e problemas de comportamento e
de saúde.
Como
em tudo na vida, é sempre importante buscar o equilíbrio e, nesse
sentido, os pais devem ser envolvidos nas conversas e debates,
evidenciando a importância de incentivar também atividades “offline”
como esportes e passeios. Vale a pena debater com alunos e pais casos
reais que evidenciam sintomas como esses. Podem ser criadas campanhas na
escola lideradas pelos próprios alunos para “prevenir” tais
comportamentos. Existem materiais disponíveis na internet para usar
como apoio: www.safernet.org.br;http://www.childhood.org.br/programas/navegar-com-seguranca;http://cartilha.cert.br/uso-seguro/;www.fundacaotelefonica.org.br/Uploads/book_telefonica_2_final.pdf.
Exposição
da vida privada: redes sociais como Facebook, Foursquare, Instagram,
entre outras, funcionam muitas vezes como uma agenda pública do
cotidiano das pessoas, incluindo informações pessoais e fotografias.
Trata-se
de um tema central que precisa ser debatido com os alunos, como por
exemplo, o que pode ser público e o que deve ser privado na vida de cada
indivíduo. Da mesma forma, postar fotos de amigos sem permissão também
não é uma atitude responsável. Não adianta proibir na escola, pois os
estudantes acessam em casa, na casa de amigos ou em centros públicos.
Que tal criar um perfil ou um grupo tipo “fan page” nessas redes sobre
algum tema do conteúdo estudado? Trata-se de uma forma de mostrar aos
estudantes que é possível planejar outros usos além do compartilhamento
de informações pessoais. Além disso, todos poderão vivenciar e debater
na prática o que se deve ou não postar e para que público. Hoje em dia
as redes permitem configurar permissões de visualização de forma que
algumas postagens só possam ser vistas por quem realmente a pessoa
conhecer ou familiares diretos. Anote na agenda a campanha pela Internet
Segura que começa nesta terça-feira, 5 de fevereiro: http://www.diadainternetsegura.org.br/site/sid2012;
Tensão
e estresse: pouca familiaridade com recursos da tecnologia digital
constantemente lançados no mercado tem gerado desconforto entre
educadores
Não
é preciso estar em dia com todo e qualquer lançamento do mundo digital
para ser um educador na cultura digital. O dispositivo em si não traz
nenhuma melhoria ou inovação e nem o uso que se faz dele, muitas vezes
uma mera reprodução de métodos ultrapassados. Em vez de querer utilizar a
tecnologia na educação, procure refletir sobre como aproximar a
educação da cultura digital. Ou seja, cada vez mais as pessoas estão
mudando seus modos de ser e estar no mundo. Com a internet, distâncias
geográficas são diminuídas, tornando possível, por exemplo, criar
atividades colaborativas a distância. Reúna os professores da sua
própria escola ou comunidade para discutir e trocar experiências sobre
possibilidades e metodologias pedagógicas. Não existe uma receita pronta
para usar, o importante é ousar e experimentar. Participe de grupos e
fóruns online para trocar de experiências com outros educadores:
Problemas
técnicos e de software: quem nunca vivenciou a situação de travamento
de software, de pane no áudio, arquivo que não abre, de falta de
conexão? São inúmeros os problemas técnicos de manutenção dos
computadores.
O
famoso “plano B” deve sempre ser considerado, ou seja, se possível
grave arquivos que iria usar ou tenha uma atividade offline
substitutiva. A maioria das propostas podem ser realizadas sem o uso do
computador em uma eventualidade, portanto não é motivo de pânico. Dar
preferência a softwares livres – programas de computador que podem ser
utilizados, copiados, modificados e redistribuídos sem restrições – é
uma questão importante em relação ao acesso à educação como um direito.
Além disso, evita a perda de arquivos salvos em versões antigas de
softwares proprietários, pois não podem mais ser abertos nas versões
mais atualizadas. O Libre Office, por exemplo, é um pacote de
aplicativos em formato aberto (documento de texto, planilha,
apresentação, etc), facilmente baixado e instalado em qualquer sistema
operacional e que pode abrir qualquer outro arquivo proprietário
semelhante.
Celulares
e tocadores de áudio: pensei nesse último tópico sobre os dois
dispositivos, por ser um assunto polêmico e alguns Estados, como São
Paulo, têm até uma lei que proíbe o uso em escolas.
Não
será vetando o uso desse ou daquele aparelho que se vai “garantir” a
atenção do aluno em aula. Conquistar e manter a atenção do aluno foi, é e
sempre será o grande desafio de todo educador. Também não será a mera
proibição que evitará que fotos e vídeos desrespeitosos sejam postados
na internet. Hoje os celulares estão aí, mas no passado eram bilhetes,
figurinhas e vários outros elementos “dispersivos”. Segundo pesquisa TIC
Criança de 2010, 59% das crianças de 5 a 9 anos já tem seu número de
celular. Portanto, considero importante considerar celulares e tocadores
de áudio para problematizar os usos possíveis na escola e estabelecer
combinados e linhas de conduta. Quanto mais explícita e menos velada for
a abordagem do tema, maior probabilidade de que o uso seja de fato
responsável. Os tocadores de áudio mais modernos podem ser usados na
escola na função agenda e os celulares na captação de imagens e vídeos
para compor atividades educativas propostas. Veja mais orientações sobre
uso responsável do celular e de outras telas digitais no infográfico: www.educadigital.org.br/telasdigitais.
*
PRISCILA GONSALES: Jornalista e educadora, máster em Educação, Família e
Tecnologia pela Universidade Pontifícia de Salamanca (Espanha).
Cofundadora do Instituto Educadigital, atua na área de educação e
tecnologia desde 2001. Como pesquisadora do Centro de Estudos e
Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), coordenou
durante 6 anos o Programa EducaRede Brasil, uma iniciativa da Fundação
Telefônica focada em projetos de formação de educadores para a
integração da internet na educação. Em 2011, foi jurada da categoria
Midia Digital do Prêmio Prix Jeunesse Iberoamericano (Produções
Audiovisuais para Crianças e Adolescentes). Em 2012, integrou a
delegação brasileira no Congresso Internacional de Recursos Educacionais
Abertos da Unesco, em Paris. É uma das autoras do livro Recursos
Educacionais Abertos: Práticas Colaborativas e Políticas Públicas (http://www.artigos.livrorea.net.br/2012/05/aberturas-e-rupturas-na-formacao-de-professores/).
Tive acesso a matéria em questão pelo Blog Blogosfera da Marli.
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